Kit de sobrevivência profissional 2013-14
1º Alimento de reserva: OTIMISMO
O “ biorritmo profissional” dos professores é diferente do dos comuns mortais: organiza-se de setembro a julho. Renova-se todos os anos. Nunca vi no mês de setembro uma ameaça do “que pode vir aí, ”mas uma esperança “ no que aí vem“. Setembro é uma possibilidade de, mantendo a mesma epiderme, mudar de pele todos os anos. Refrescar compromissos, abraçar a oportunidade para reinventar uma profissão que se reconstrói continuamente. Setembro é um pretexto excecional para sermos melhores professores (com o conhecimento que resultou de muitos setembros) mas num professor diferente. Porque enfrentamos, cada setembro, incógnitas que mesmo parecendo semelhantes às de outros setembros têm rostos e circunstâncias diferentes.
É esta realidade que leva Miguel Santos Guerra a afirmar que uma das características da profissão de professor é que é a única“em que todos os anos envelhecemos, mas os nossos clientes são sempre da mesma idade”. Têm a mesma idade mas histórias diferentes. Setembro é o mês em que reajustamos o piloto automático ao novo voo, às novas rotas, aos novos passageiros.
Cada ano que passa esta minha visão proactiva de setembro é mais difícil de sustentar. Quando começamos uma viagem, que queremos segura e aprazível, é importante termos confiança nas condições da jornada: veículo fiável, caminhos seguros, fronteiras conhecidas e amigas, estabilidade geográfica, política e financeira. São estas certezas que encorajam a partida. Este setembro, mais do que muitos outros, a única certeza que vislumbramos é que nada será certo. Tudo está a mudar na educação, tudo está a mudar na vida dos professores, tudo está a mudar na mudança: pois até esta não se percebe só se aplica.
Quando a viagem é inevitável e as condições inseguras, manda a prudência (e a inteligência) que nos previnamos em terra. Prevendo ameaças que se insinuam perante os diferentes cenários, o professor do ano letivo 2013-14 deve preparar um kit de sobrevivência a que possa recorrer em momentos de desfalecimento, de desmotivação, de descrença.
A nossa herança greco-latina deu-nos uma dimensão ontológica de “fado”, de destino trágico traçado e gerido pelas 3 Parcas, onde qualquer otimismo é visto como péssimo mal informado. Isto faz com que, a maior parte de nós, tenha dificuldade em assumir o estatuto de autor e prefira, confortavelmente o papel de ator. Quando afirmamos que: “Deus fecha uma porta, mas abre uma janela” até de Deus temos uma visão pessimista. Porque não dizemos“ Deus fecha uma porta, mas ajuda-nos a descobrir muitas outras portas?”. Porque é mais confortável esperar que apontem a saída do que arregaçar as mangas e procurá-la (até porque à partida desconfiamos, por principio, da sua existência).
Nos tempos que correm ser português e professor parece ser um duplo constrangimento para ser otimista. Mas para os professores ser pessimista não é opção. Definitivamente. Para um professor, pessimismo é sinónimo de imobilismo, de cristalização, de uma pedagogia tautológica que não procura a melhoria, porque a única certeza que acredita possuir é que tudo acabará, como sempre, mal… porque pior é difícil. Ver o ensino com os óculos do pessimismo é viver do ensino morrendo nele todos os dias…e fazendo vitimas no processo.
O já citado Santos Guerra, encontra o mesmo conteúdo semântico nas expressões “ professor pessimista “ e “neve frita”. Porque ambas se compõem por dois conceitos que se auto excluem. O primeiro invalida o segundo. Só se pode ser professor a partir de setembro sendo otimista até Julho. Em agosto fazemos um exercício catártico, esconjuramos o nosso legado clássico e (re) construímos uma couraça de otimismo tendo como matéria-prima a nossa profissionalidade compósita, esperando que esta nos confira a necessária invulnerabilidade.
Sendo cidadãos em contexto, os professores não podem fechar os olhos a tudo o que de negativo os ameaça. O desconhecimento da realidade é perigoso. Não só para a si mas também para aqueles que educam para a cidadania. Em teoria todos os professores podem ser pessimistas, mas na prática nunca. O pessimismo deve ficar à porta. Não só da sala de aula. Deve ficar à porta da Escola. É preciso acreditar, de uma forma otimista que, com a ajuda de todos, as coisas mudarão para melhor, que um dia o problema de um professor será visto como um problema de todos e será resolvido como estratégia para uma melhorar profilaticamente as condições profissionais de cada um. Os resultados melhorarão e a satisfação de deve comprido compensará a dificuldade da jornada.
Onde se compram os pozinhos mágicos de otimismo? Não sei, mas para o ano letivo que se aproxima, creio que os professores seriam os melhores clientes. Na ausência da informação permito-me sugerir uma alternativa: no kit de sobrevivência profissional 2013-14 coloquem um bilhete que possam ler e reler em momentos de desalento:
“Para a frente é o caminho, a meta é possível e desistir não faz parte do plano“.
Ps: nas próximas crónicas falaremos dos restantes“alimentos “ do Kit.
Ana Paula Silva